Não pretendo aqui ensinar nada para ninguém sobre o tema. Não tenho formação ou conhecimento para isso. O que eu vou fazer aqui é meramente contar a minha experiência, então, não há verdades absolutas ou padrões de comportamento aqui. Cada vivência é única e temos que respeitar isso.

Sabe aquela imagem de pessoa deprimida? Deitada na cama no escuro, sem querer sair dela para nada? Aquela tristeza que deixa pra baixo e tira o ânimo de fazer qualquer coisa?

Pois é… não era eu.

Eu acordava super cedo, fazia café para mim e para o marido (na época eu era casada ainda), ia para a faculdade, almoçava com os amigos, de lá corria para o trabalho no escritório e, além disso, ainda mantinha o meu próprio negócio ainda rodando, ou seja, eu ainda fazia reunião com possíveis clientes, falava com fornecedores, projetava, apresentava projetos e executava nos finais de semana. E ainda tinham os trabalhos da faculdade, que demandavam bastante.

Ou seja, eu não tinha tempo nem podia ficar na cama aninhada.

Então ninguém nunca imaginava que eu estava deprimida. Simplesmente não fazia sentido.

E isso tornou muito difícil para família e amigos não só perceberem como entenderem e ajudarem, porque eu simplesmente não estava doente na percepção de ninguém, inclusive na minha.

 

E como eu descobri isso?

 

Deixa eu contextualizar agora no que acontecia nessa fase.

Eu trabalhei no serviço público e saí dele para abrir meu próprio negócio (sim, eu era concursada e larguei, mas isso é história para outro artigo).

Meu trabalho como decoradora estava excelente, evoluindo tanto tecnicamente quanto em quantidade de clientes. Foi uma fase incrível na minha vida!

Então eu e o marido resolvemos que íamos nos mudar de novo. Tínhamos um plano de vida e simplesmente estávamos nos mantendo nele. Só que para isso precisávamos de uma renda extra.

Nessa mesma época eu recebi um convite para voltar a trabalhar na minha antiga função de chefia na repartição. Um salário atrativo, uma função que eu desempenhava muito bem (e até gostava bastante) e uma instituição que eu conhecia como a palma da minha mão. Parecia ter sido um sinal dos céus.

Resolvi aceitar, montei minha equipe e a do meu chefe, e comecei a loucura.

Eu e o marido começamos a procurar apartamento na zona sul, colocamos no nosso na zona norte para vender, aproveitando o boom do mercado na época. Em pouco tempo tínhamos achado o apartamento perfeito e a papelada para o financiamento começou a correr. Demoramos um pouco mais para vender o nosso, mas acabou acontecendo.

Enfim, meu ponto é, estávamos endividados nesse momento. Eu precisava ter esses dois empregos e iríamos começar a obra. Marido também dava a parcela dele, com vários jobs, nada fácil para nós dois.

Mas, dentro da repartição eu achei que fosse conseguir lidar com alguns obstáculos que eu já tinha vivido antes, exatamente por já ter essa experiência prévia. Ledo engano.

Eu realmente conseguia lidar melhor que antes, a maturidade ajudou muito, eu ter me cercado de pessoas amadas e competentes dentro da minha própria equipe também ajudou. Mas ainda assim, algumas coisas eram bem difíceis.

Eu sofria abuso moral diariamente. E eu achava que era forte, que conseguia lidar com isso. Então, além da minha “cota” de abuso, eu absorvia uma boa parte pela minha equipe. Ou seja, eu não repassava várias coisas, fingia que não via outras, escondia funcionários na minha sala (fora da visão, fora da lembrança).

Era muito difícil. Vivíamos sob a égide do medo.

Eu era respeitada pelo meu trabalho, mas a demanda era bem complicada. Eu ficava até bem tarde praticamente todos os dias, horas extras eram coisas normais e nunca remuneradas.

Meu chefe ameaçava mandar funcionários embora varias vezes ao dia, num geral, porque ele mesmo não tinha explicado o que era para fazer, ou não tinha dado o tempo da pessoa fazer, ou sequer tinha mandado a pessoa fazer (mas em pensamento ele tinha). Ele humilhava as pessoas à minha volta, diminuía o trabalho dos outros, enfim… era a era do terror.

E olhar tudo de fora hoje faz tudo parecer simples, ou de simples soluções, mas quando você vive naquele clima simplesmente não consegue ver as saídas.

E eu não podia contar tudo que eu passava para as pessoas em volta de mim. Minha família não poderia saber da metade. Claro que eu falava, mas não tudo e mesmo quando falava, tudo que é contado não tem o mesmo peso de quando vivenciado.

Junto com o abuso moral, que era muito evidente, às vezes tinham alguns episódios de abuso sexual. Era uma linha tênue entre o que poderia ser uma brincadeira de mal gosto ou um mero elogio e o abuso. Hoje olhando de fora eu vejo que era tudo bastante abusivo. Na época, eu não tinha essa percepção tão nítida.

Um exemplo?

Um dia eu estava em pé na sala do chefe esperando para despachar e vi duas autoridades (conhecidas, considerados amigos) fofocando entre eles e me olhando. Eu prontamente fui tentar descobrir o que estavam falando de mim. Consegui tirar deles que estavam apostando se debaixo do meu vestido branco eu estava usando calcinha ou não.

Parece brincadeira, né? Mas não é.

Aos poucos a equipe era dizimada. O tempo todo eu tinha que fazer entrevistas para o cargo de secretária do chefe. E ele, sabia o quanto eu prezava pelas meninas, me obrigava a mandá-las embora. Não era minha função, existia um RH para isso, mas ele me obrigava a fazer isso para me ver sofrer.

Ele sabia que xingamentos vazios ou desvalorização do meu trabalho não me atingia, porque eu tinha muita segurança nas minhas funções e não me deixava atingir por besteiras, mas meu coração era meu ponto fraco. Eu prezava pelas pessoas, fossem amadas ou simplesmente aquelas que eu via todo dia e sabia o quanto davam duro para manter o emprego e o salário que sustentavam suas famílias.

Quantas vezes ele me mandou despedir um funcionário, eu dizia que faria e esperava ele mudar de ideia e não executava a tarefa nunca. Mas quando ele queria mesmo me fazer sentir, ele chamava os dois na sala dele e me obrigava a executar a sentença na sua frente. Ou mesmo me chamava para assistir a alguma humilhação verbal que ele dava em alguém para aplacar sua própria raiva e me fazer sofrer por ver o outro naquela posição.

Isso sem contar o conteúdo do meu trabalho em si que, além de administrar essas situações eu tinha que despachar os meus processos, ter uma sensibilidade aguçada para enxergar aqueles que eram mais sensíveis, preparar as minutas das decisões do chefe, controlar agenda de reuniões, despachar além dos meus procedimentos aqueles mais urgentes de toda a instituição, dentre mil outras coisas…

Esse era o meu dia a dia.

Junto com isso eu tinha os trabalhos da faculdade, as noivas, a casa, a obra…

Em algum ponto desse caos, quando eu comecei a ter mini ataques de pânico cada vez que o telefone tocava ou que eu estava atrasada para chegar ao trabalho, eu achei que era o momento de pedir ajuda.

Conto mais no próximo post…

bjk

 

Lanna.London
Author

Lanna Schmitz Em algum lugar da faixa dos 30, escorpiana, viajante, carente e eterna mutante.

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