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morar no exterior; morar fora; viagem

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Quando mais jovem eu não tinha medo de muita coisa. Sempre planejei, tentei prever os problemas antes de acontecerem, isso é parte da minha personalidade. Mas eu não tenho lembranças de pensar em desistir de alguma coisa planejada por medo, eu sempre fui “atirada”, como minha mãe diria.

O que eu nunca topei desde adolescente é montanha russa. Esse medo eu assumo e não faço questão de tentar superar, então, nem tente me convencer.

Mas a idade muda muita coisa na gente.

Na hora de me mudar para o outro lado do mundo, eu tive dúvidas, claro, mas poucas foram as vezes que eu travei e pensei em mudar de ideia. Aí cheguei aqui, tudo novo; a novidade é um grande estímulo, essa é a verdade. Os primeiros dias de faculdade eu ainda não sabia andar pelos prédios, ficava presa do lado de fora das salas de aula porque precisava de um cartão que eu não tinha, várias situações que me faziam querer voltar pra casa e me esconder debaixo do cobertor. Mas tudo eu consegui levar razoavelmente bem.

Até que surgiu O desafio de morar na Inglaterra: dirigir.

Eu consegui um emprego temporário de Natal e me colocaram para trabalhar em um shopping grande fora de Londres (dentro da Grande Londres, seria tipo, Grande Rio, sabe?). Pensei: “beleza, vejo o metrô que chega mais perto”. Perguntei ao Google e a resposta é essa:

Ande 8 minutos.

Pegue o trem.

Desça do trem e pegue o metrô.

Desça do metrô e pegue outro trem.

Desça do trem e pegue um ônibus.

Total: 1:24h.

Uma hora e 24 minutos fazendo todas essas mudanças. Affe!

Aí namorado falou: “eu te empresto o carro, vai dirigindo!”.

Ótimo! Meia hora dirigindo e eu estou lá, um pouco mais dia de semana porque tem trânsito, mas mesmo assim, tranquilo.

Até eu me tocar que dirigir na Inglaterra é mais do que dirigir em um lugar que você não conhece. É dirigir com o volante do outro lado, com o carro na esquerda, com tudo virado ao contrário. Pirei.

Falei “não, não quero!”.

Ele insistiu, porque eu tenho que aprender a dirigir aqui para o meu dia a dia. E eu fui vendo pessoas de outros países dirigindo e pensei que eu posso fazer isso.

Vamos começar? Sim, vou entrar no carro. Entrei do lado errado, fui para o lado do passageiro achando que é o lado do motorista, porque aqui é trocado. Affe.

Entrei. A mão direita foi procurar a marcha e deu uma pancada na porta. A marcha fica na esquerda. Affe de novo.

Ajusta os espelhos e cadê aquele espelho de dentro do carro para ver o vidro traseiro? Na esquerda, oras! Affe mais uma vez.

Decidimos começar a andar dando umas voltas no quarteirão para eu conhecer o carro e entender as ruas e as regras daqui, que são um pouco diferentes.

Sai com o carro, só que aqui, como o volante está na direita, o carro “cresce” para o lado esquerdo, ou seja, tem mais carro para o lado que a gente está acostumado a não ter nada! Afeeeee!

Aí anda até a esquina, pela esquerda. Vamos virar à direita, então, vai para a pista da esquerda, liga a seta e vira pra direita, só que a pista que vai para a direita é aquela mais longe, eu quase viro na contramão! Afeeeeee!!!

Quase esbarrei nos carros estacionados na rua, quase encostei na calçada, quase entrei na contramão, um monte de quase, mas consegui voltar pra casa e trazer o carro inteiro. Eu tremendo.

Segunda vez, fomos no trânsito até um pouco mais longe.

Fui visitar minha prima a uma hora de distância em um domingo, então, poucos carros, bem tranquilo. Namorado do lado dizendo, faz assim, vai ali e tal. Entrei na contramão uma vez nesse dia. Tinha que virar à esquerda, nenhum carro na rua, virei e fui pra pista da direita. Namorado grita no carro “NOOOOOOOOOOOO”.
Affe!

Deu tempo, eu nem cheguei a ficar na pista errada, só estava fazendo a curva, então consertei e tentei colocar meu coração de volta dentro do peito.

Chegamos em casa vivos.

Aí chegou a hora de começar a trabalhar. Namorado foi comigo no primeiro dia para me ensinar o caminho. Anda dentro de Londres por 15 minutos, que é tenso, depois pega estrada, muda de estrada e muda de estrada de novo e chegamos no estacionamento do shopping.

Lá fui eu, tremendo. Ele dando as ordens e falando palavras que eu nunca ouvi na vida. E eu não fazia o que ele mandava porque eu não entendia. Briga certa.

Mas chegamos.

Na volta, ele foi me buscar porque chovia horrores.

Segundo dia. Eu pedi pra ele ir comigo de novo. Ele foi, mas ficou quieto, deixou eu fazer o caminho sozinha, ou pelo menos com o GPS e ele ficava fazendo quizz comigo: onde entra aqui? E ali, o que acontece?

Claro que meu estômago estava na boca.

Terceiro dia, hora de ir sozinha.

Entrei no carro e eu juro que eu não queria sair dali. Pensei em pedir demissão só pra não ter que dirigir. Juro que pensei.

Aí entrei no carro, conforme eu andava, percebia que eu estava tremendo. Em alguns momentos a comida sacudia no estômago que revirava sozinho. Eu tinha que falar comigo mesma “você consegue”.

Entrei num mini-pânico quando começou a chover e eu falava com o céu “poxa, faltam 15 minutos pra eu chegar lá, porque não espera 15 minutos pra fazer essa chuva cair?”. Em vários momentos pensei em voltar pra casa e não dirigir nunca mais.

Acertei quase o caminho todo. Quase.

Para entrar no estacionamento é uma rotatória com 5 saídas, peguei a saída errada, claro. Mas foi simples porque é um lugar meio sem movimento, então entrei no estacionamento de uma concessionária de carros, fiz a volta e peguei a rotatória de novo.

Hora de voltar, vou eu seguindo o GPS . Aí ele me manda entrar num lugar que eu achei que fosse o mesmo que eu tinha passado na véspera, entrei. Nada. Mandou por um caminho mais curto, mas um caminho que eu nunca tinha feito na vida, então vou eu tremendo, cheia de medo de errar, quando cheguei na esquina de casa que respirei de novo. Que alívio.

Quarto dia. Acha que fiquei menos nervosa? Que nada. Talvez menos pânico, mas ainda super tensa. Dia de sol, sol de inverno é mais baixo, então vem um sol no olho que cega e ainda reflete no chão molhado e fica uma claridade inacreditável. Claro que eu já estava pensando “não é Londres? Cadê o fog? Não era pra ser cinza?”. Claro que errei a rotatória de novo, dessa vez entrei no estacionamento do Cotsco pra retornar e cheguei.

Hora de voltar, eu já estava sabendo onde eu tinha errado na véspera na volta, então já tinha na cabeça o que era para fazer quando chegasse no mesmo ponto. Aí o GPS me manda virar em outro lugar antes de chegar aquele que eu tinha decorado. Eu, na dúvida, fui. Putz, caminho errado de novo! Aí eu segui a estrada que eu estava antes, direção ao centro de Londres, que não é exatamente onde eu moro. Eu nervosa, claro, mas seguindo o GPS , que continuava me trollando. Aí começam a aparecer aqueles prédios imensos na minha frente, tudo iluminado. Lindo, mas eu não quero ir pro centro! Finalmente o GPS me manda sair da estrada e pegar a outra e eu caio no caminho tradicional de novo. Volta a respirar e tenta parar de tremer. Cheguei em casa de novo.

Estou escrevendo esse texto antes de sair para dirigir para o trabalho no dia 5. Claro que estou tensa de novo. Será que nunca passa esse nervoso?

Se alguém me perguntar: “qual o maior desafio de morar fora?”. Para mim, é dirigir. Eu dirijo desde os 18 anos e pela primeira vez o fato de dirigir me fez querer desistir de fazer algo importante pra mim.

Bom, vou lá dirigir para o trabalho, deseje-me sorte e torça que eu pegue a saída certa da rotatória hoje.

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