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Eu tinha 13 anos, saía da escola, trocava de roupa e ia para a aula de dança do outro lado da cidade. Infelizmente perto de onde eu morava, àquela época, não havia muitas opções disponíveis.

Eu vestia uma calça bailarina, moda naquele tempo, e andava na calçada já da rua da academia. Um menino que devia ter a minha idade, ou talvez um pouco mais novo, ao cruzar comigo, jogou sua mão no meio das minhas pernas, tirou e saiu correndo.

Foi tudo muito rápido. Eu não tive nenhuma reação. Acho que xinguei ele, mas não tenho certeza disso. Lembro de ter andado o mais rápido que eu pude para a academia, entrado lá e nunca ter contado esse episódio para ninguém.

Na verdade, eu tinha, naquele momento, apenas uma vaga ideia do que aquilo representava. Simplesmente não fazia nenhum sentido na minha mente o que aquele menino poderia ter “lucrado” daquela situação.

Teve uma passagem antes disso, que acabo de recordar, mas essa memória é um pouco mais difusa, pois eu era ainda mais nova, deveria ter uns 11 ou 12 anos. Ia de ônibus para a escola, sempre pegava o mesmo carro, com o mesmo motorista velhinho simpático.

Um dia vi que um homem em um banco do outro lado do corredor me olhava e mexia na calça. Naquele momento eu não fazia ideia do que o homem fazia, mas achei estranho o modo como ele me olhava e eu, instruída nesse sentido, levantei-me e sentei atrás do motorista puxando papo. Não olhei mais trás e tive vergonha de contar aquilo para qualquer pessoa. E, sinceramente, tinha medo de contar à minha mãe e ela me proibir de ir de ônibus sozinha para escola (eu adorava essa minha independência).

Aos 17, eu tinha acabado de passar para a faculdade e iria na minha primeira palestra no fórum. Eu estava feliz e orgulhosa.

Escolhi minha roupa cautelosamente, um conjunto de blusa de alça e saia, do mesmo tecido, um meio amassadinho, verde água. A saia era uns dois dedos abaixo do joelho e a blusa era acinturada e usada pra fora, escondendo a linha do elástico da cintura da saia. Eu estava bem arrumada, com cara de estudante de Direito.

Entrei no ônibus e fui em pé. Em algum momento um homem puxa papo dizendo que um outro rapaz que estava atrás de mim há alguns minutos estaria se esfregando nas minhas costas. Eu não havia sentido nada mas fiquei com medo disso ter sido verdade e meio que concordei com a cabeça quando ele dizia coisas do tipo “que absurdo fazer isso”.

Eu estava entre confusa por não ter sentido e envergonhada pelo mesmo motivo e o homem falando sobre o assunto definitivamente não ajudava. Felizmente em pouco tempo meu ponto chegou, eu desci. O homem veio atrás.

Ele parecia estar me defendendo, então perguntei pra que lado ficava a Av. Erasmo Braga, endereço do fórum. Ele foi andando ao meu lado, disse que iria para perto e me levava até mais próximo. Enquanto andava ao meu lado, ainda falando sobre o abuso que eu supostamente tinha acabado de ser vítima, ele falou “Peraí, que sua roupa está suja”. Estávamos no meio da rua, na Av. Nilo Peçanha, se não me engano, e ele para “limpar” a sujeira na minha roupa nova, passou a mão na minha bunda. Eu dei um pulo pra frente assustada, apressei o passo enquanto eu mesma passava a mão na minha saia, tentando ver onde estava a sujeira. Eu balbuciava coisas como, “deixa que eu limpo, pode deixar”, ou algo assim e tentava ir o mais longe possível daquele homem que eu não conseguia decifrar até que ponto ele me ajudava ou piorava a situação.

Ele veio atrás de mim e indicou uma passagem pela garagem de um edifício, dizendo que passando ali era mais rápido para sair na rua que eu queria. Eu olhei para dentro daquele lugar e não vi ninguém. Falei que não iria, agradeci a ele a indicação e comecei a andar de novo, ele veio atrás e insistiu, dizendo que não tinha problema, que ele não ia fazer nada comigo, ali era público, mas eu não fui. Depois de alguns anos eu descobri que era a garagem de um dos prédios do Ministério Público que tinha acesso ao público e realmente saía na Av. Erasmo Braga. Mas de todo modo era um lugar sem movimento e eu realmente não sei o que ele era capaz de fazer.

Quando consegui achar o fórum e entrei na Emerj, onde seria a palestra, corri para o banheiro. Estava com vergonha da minha saia suja, mas dentro do banheiro eu olhei e olhei e olhei e não consegui achar a mancha de esperma que o homem do ônibus disse que estava lá.

Novamente, nunca contei a ninguém, pois tinha um misto de vergonha com um receio de eu ter mesmo sido abusada no ônibus e não ter percebido, além do fato de não querer me vitimizar ou criar medos na minha família, afinal eu estava bem, não é?

Hoje, pensando nessa história, ainda me espanto com o ardil do homem que inventou uma história de um abuso para poder abusar. Jogos mentais de uma mente perturbada.

Aos 21 anos eu já morava sozinha. Saía cedo de casa para pegar o metrô e chegar na faculdade para a aula que começava as 7:20h pontualmente. Eu trabalhava depois, então já saía de casa vestindo roupa social e salto alto.

Da minha casa para o metrô eram poucos passos, coisa de 20 a 30 metros de distância, pertinho mesmo.

Lá ia eu para mais um dia exaustivo, mas que eu amava aquela correria de faculdade, trabalho, academia e casa. Eu andava alerta, mas talvez nem tanto quanto eu deveria.

Ao descer as escadas da estação de metrô do Catete, por volta de 6:30 da manhã de um dia de semana, um homem subia as mesmas escadas. Quando cruzou comigo, ele, demonstrando até uma certa calma, deslizou a mão no meio das minhas pernas.

Eu levei um susto, gritei um palavrão e corri tudo que pude, considerando meus saltos altos, para dentro da estação, procurando um guarda e não havia NINGUÉM! A estação estava deserta. Perguntei no guichê pelo guarda, o atendente deu de ombros, então resolvi passar na roleta rápido, ainda olhando em volta pra ver se o homem tinha me seguido ou se um guarda aparecia, mas felizmente para o primeiro e infelizmente para o segundo, nenhum dos dois surgiu.

Fui para a faculdade tremendo e dessa vez cheguei a contar para alguns amigos em aula no mesmo dia e passei a ir para o metrô com um pouco mais de receio todas as manhãs.

Como eu, tantas meninas e mulheres já passaram por situações assim e sentiram-se envergonhadas de falar. Medo de ser chamada de mentirosa, de ser acusada como causadora da situação ou simplesmente desconhecimento do significado daquilo.

Apesar de toda consciência que eu tenho hoje, ainda assim, contar essas situações aqui não está sendo tarefa fácil; uma mistura de sentimentos reina em mim, mas precisamos falar sobre isso, contar nossas histórias, e assim evitar que outras mulheres passem por situações semelhantes.

Não se trata de nos vitimizarmos em um sentido pejorativo, mas sim assumirmos que fomos vítimas de abuso e que esses comportamentos contra a dignidade da mulher, seu corpo e sua mente, não podem mais ser aceitos.

É necessário denunciarmos inclusive esses comportamentos que podem parecer mínimos aos olhos de uns, mas que marcam nossa história e por vezes mudam nossa trajetória de vida.

#timesup #metoo #naoaviolenciacontraamulher

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