Você já ouviu falar das fases do luto?

Vários filmes mostram isso, num geral eles mostram as cenas de cada fase do luto em sequência, coisa que dura cerca de 2 minutos de filme e aparentemente coisa de uma semana de vida dos personagens.

Doce ilusão essa de que lidamos com o luto assim, rápido e rasteiro, em um tempo de um intervalo comercial estamos prontas para a próxima batalha.

Até acredito que talvez tenham pessoas assim, mas para mim foi bem diferente.

A primeira coisa que preciso dizer aqui é que quando a gente passa por uma situação de separação ou divórcio, não deixa de ser uma perda significativa. Existe um luto a ser vivido ali também.

O que eu percebi é que em um relacionamento, mesmo quando temos consciência de que esse distanciamento é melhor para ambos, ainda assim sentimos uma tristeza profunda e vem a necessidade de se vivenciar esse processo.

Não que a gente realmente queira vivenciar. Se eu pudesse dormiria e acordaria na próxima fase. Tipo Sonic; venci o Eggman batendo a cabeça nele mil vezes, vamos à fase seguinte. Mas a vida não é tão simples assim.

E nem essas fases são tão obvias quanto parecem. Até hoje eu não consigo saber se eu vivi a barganha, por exemplo.

Mas, enfim, a primeira delas, a negação, foi para mim muito marcante, até porque não foi literal desse jeito.

Eu nunca neguei o que estava acontecendo, eu não fingi que não estava acontecendo. Eu sempre tive essa consciência. Então como eu neguei?

A negação para mim foi de lidar com o problema.

Quer saber a melhor forma de não lidar com alguma coisa? Arrume mil outras coisas para fazer!

E assim eu fiz.

Tinha que colocar meu apartamento do meu jeito, então eram visitas à Leroy Merlin, à rua Frei Caneca, projetos de forrar caixas com contact para o banheiro, fitar minhas próprias prateleiras para economizar um dinheiro, móveis novos com muita pesquisa de preços… enfim, foi um turbilhão! E junto com isso eu estava na faculdade, fazendo projetos para as matérias, além do meu trabalho e os projetos dos clientes em andamento e com prazo… Tempo para pensar? Não temos!

Aí aconteceu um desastre. Um de verdade, sério.

A minha faculdade pegou fogo e passamos quase 3 meses sem aula. Mas era um sem aula assim: amanhã volta. E não voltava. Semana que vem volta. E não voltava. E assim foram esses dois meses em que eu não poderia nem cogitar viajar, porque a faculdade poderia voltar a qualquer momento.

Então eu arrumei mais coisa para fazer quando a Blair entrou na minha vida.

Não entendo a Blair como uma forma de fuga, não. Ela veio ocupar um lugar no meu coração que estava vago e eu precisava tanto disso…

Mas eu nunca tive um cachorro antes, então para mim era um mundo de novidades e desafios diários. Ela mordia meus pés, minhas mãos, não podia sair de casa ainda, aquela energia de filhote que ela fazia circuito funcional correndo em volta dos móveis. Era uma delícia estar ali com ela.

E eu não queria deixá-la sozinha um minuto. Contava as horas que eu ficava fora de casa (aliás, isso eu ainda faço), pedia ajuda aos porteiros e faxineiras do prédio para checar se ela estava bem quando eu precisava me ausentar.

E assim eu vivia na minha bolha. Eram sorrisos, sonecas, novidades diárias, preocupações mil com ela, mas lidar com a minha tristeza não estava na lista.

Blair me ensinou a ser “mãe”, a amar incondicionalmente, a ter preocupações imensas com outro ser vivo. Nossa, ela enriqueceu a minha vida!

Mas eu também tornei ela a minha fuga, parte da minha negação.

Quando eu saía de casa, normalmente para ir à academia, e, depois que as aulas voltaram, principalmente na viagem de carro até a faculdade, esses momentos eram terríveis.

Crises de choro sem motivo aparente, a cabeça dava voltas.

As pessoas deviam me achar louca, eu malhava chorando. Juro. Tinha que fazer paradas para ir ao banheiro e dar uma ajeitada no rosto algumas vezes.

Ou seja, nesses momentos em que eu estava sozinha e que minha mente não estava ocupada, eu entrava em contato com a minha dor.

E, como doía bastante, o melhor era correr de volta pra casa, agarrar minha Blair e ficar na minha bolha. Ou seja, passei alguns meses não saindo de casa. Tendo até algumas crises de ansiedade cada vez que eu precisava sair.

Outro dia conversando com uma amiga que está passando por um divórcio recente, ela me contou que com ela, ficar em casa é impossível. E a sensação para ela não é de se ocupar para não pensar, embora isso seja exatamente o que eu vejo que está acontecendo, mas para ela é um caso de F.O.M.O., sigla que significa fear of missing out. Ou seja, medo de não vivenciar alguma coisa. Ela quer experimentar e vivenciar tudo. Sai com amigos, vai para noitada, enfim, não quer perder mais nenhum tempo.

Isso também é uma forma de negação.

Como eu saí dessa fase?

Não sei exatamente precisar o momento, mas voltei a fazer terapia nessa época, tive várias crises de choro na academia, enchi o saco dos amigos contando as mesmas histórias e isso foi minha forma de lidar com isso.

A dor, para ser vencida, precisa ser vivenciada. Não tem como fugir disso.

Claro que tem a fase da depressão. E eu falava para o meu terapeuta que eu estava deprimida e ele, que já tinha me ajudado quando eu tive um caso de depressão há uns anos atrás, respondia: você não está deprimida, você está triste.

E isso eu realmente estava. Foram dez anos vivendo, convivendo, amando e fazendo planos com uma pessoa, não tem como ignorar para sempre que isso tudo aconteceu e que acabou.

Mas aquele velho ditado que todo mundo repete e que realmente é a maior verdade do mundo: dê tempo ao tempo.

Então nesse tempo eu não apenas curti a Blair, mas eu viajei algumas vezes, me vi sozinha em vários momentos, mesmo rodeada de muitas pessoas, imergi na minha mente, sentia raiva, a frustração de um projeto de vida que fracassou, senti isso tudo com cada fibra do meu corpo. Comi demais, depois comi de menos. Mas para mim tudo se acertou e se encaixou quando decidi um novo rumo para minha vida. Um processo que no momento em que escrevo esse artigo, ainda está em andamento. Mas escolher o meu novo propósito foi, para mim, o que me deu paz.

Aceitei que o melhor caminho que eu poderia ter tomado foi esse que me trouxe até onde estou agora. Porque o melhor ainda está por vir… (haja clichê hoje! rs)

Se você passou por experiências similares, comente aqui, será um prazer podermos compartilhar nossas histórias!

Bjk

Lanna.London
Author

Lanna Schmitz Em algum lugar da faixa dos 30, escorpiana, viajante, carente e eterna mutante.

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